segunda-feira, janeiro 15, 2007

CAPÍTULO 1: O Liceu do Ceará nos anos de 1937 a 1945

Para compreendermos o sentido das práticas do disciplinamento no Liceu do Ceará de 1937 a 1945, sentimos a necessidade de apresentar o estabelecimento, reavendo inicialmente um pouco da história de sua criação, das primeiras intenções a esse respeito, da concretização da idéia de reunir no Estado do Ceará todas as aulas isoladas, dando àqueles que concluíam o ensino primário a oportunidade de cursar o ensino secundário em terras alencarinas e do significado desta iniciativa para o Estado.
Tratamos também de um Liceu do Ceará itinerante por quase meio século, pois, não tendo os sucessivos governos do Estado da segunda metade do século XIX a iniciativa de construir um prédio próprio, alegando a inexistência de recursos ou até que esta iniciativa não se justificava diante da reduzida procura pelo ensino secundário estatal, o estabelecimento funcionou em cinco locais diferentes, adquirindo apenas em 1894 sua primeira sede própria.
Em seus primeiros cinqüenta anos de vida, o Liceu do Ceará consolidou um prestígio reconhecido pela sociedade cearense. Colaborou para isso seu empenho na formação da elite aqui no Ceará, ao lado de outras instituições de ensino, como o Seminário da Prainha e o Ateneu Cearense. O Liceu destes anos era um estabelecimento que tinha poucos alunos e um quadro reduzido de professores e funcionários, pois ainda não havia, na maioria da população, um interesse pela educação formal[1] e porque as outras instituições que atuavam no mesmo nível de ensino eram preferidas ao Liceu, já que ofereciam serviços como o sistema de internado[2] e um tempo mais curto de estudos.
Nesta parte da história do Liceu e nas duas primeiras décadas do século XX, sabemos que se cultivava uma disciplina rigorosa, tendo como objetivo garantir o bom funcionamento das aulas, preservando a tradição de um regime que colaborava com a projeção social de alunos que freqüentavam seus bancos. Também nos anos de 1937 a 1945 percebemos o rigor disciplinar com os mesmos fins, mas com uma realidade bem distinta: o Liceu do Ceará deste período era um estabelecimento de maiores dimensões em relação a momentos anteriores aos anos 1930. Como demonstraremos neste capítulo, a partir dessa década, ampliaram-se os números de vagas, foram oferecidos mais serviços como turmas suplementares em turnos diversos e o curso ginasial noturno, resultando no aumento do número de professores e funcionários. Esta tendência de crescimento do estabelecimento, principalmente na oferta de vagas, não se deu apenas nele, mas fazia parte de um movimento maior, que era a valorização do ensino como estratégia para tirar o País do atraso, modernizando-o.[3]
A demanda pelo ensino do Liceu do Ceará aumentou significativamente a partir dos anos 1930, ainda por causa do crescimento populacional de Fortaleza, emergindo, em meio ao processo de urbanização, uma classe média que reivindicava para si direitos como a educação, visando à conquista de condições melhores de vida e de prestígio social, político e econômico.
Em razão de seu crescimento, o Liceu do Ceará tinha como desafio manter a qualidade de ensino, preservando sua tradição. Para isso havia um cuidado especial em dar continuidade ao rigor disciplinar, reeditando antigas práticas disciplinares e adotando outras.
Apresentamos, ainda neste capítulo, a estrutura do curso secundário do Liceu do Ceará em vigor nos anos de 1937 a 1945, como resultado de uma série de mudanças praticadas mediante as reformas educacionais dos ministros da Educação de Saúde Francisco Campos (1931) e Gustavo Capanema (1942), recordando que, na Era Vargas, o ensino secundário, assim como o ensino superior, encontravam-se sob o controle direto do Governo Federal. Além da estrutura, relacionamos a atuação do então diretor Otávio Terceiro de Farias, auxiliado pelos inspetores de alunos na condução da disciplina escolar e dos professores catedráticos ou nomeados, ambos empenhados no esforço de preservar a tradição do velho estabelecimento.Por fim, mostramos que o Liceu do Ceará, apesar da ampliação de vagas e serviços, não foi capaz de absorver toda a demanda, tendo que adotar os exames de admissão para aqueles jovens que postulavam uma vaga no início do curso ginasial e processo seletivo para os que desejavam entrar nas séries intermediárias ou nos cursos complementares, mantendo o caráter seletivo do ensino secundário. Aliás, o Liceu dos anos 1930 e 1940, por meio de legislação que reduzia, dispensava ou isentava o pagamento de taxas, havia se tornado a boa alternativa para aqueles que não podiam arcar com todas as despesas com o ensino secundário, o que aumentava ainda mais procura pelo Estabelecimento.


[1] Mais ligada ao trabalho do campo, ainda na segunda metade do século XIX, a população do Estado do Ceará, não via utilidade na educação escolar pois as atividades que desenvolviam no cotidiano como o empenho na agricultura, não demandavam conhecimentos formais como ler, escrever e calcular, principalmente falar latim ou grego.
[2] Muitos alunos que procuravam cursar o ensino secundário eram oriundos não só da capital do Ceará, mas também de outros municípios e até de outros estados da Federação brasileira.
[3] De acordo com Ghiraldelli Júnior (1994, p. 15), os movimentos ideológicos “entusiasmo pela educação” e “otimismo pedagógico”, ambos desenvolvidos pela elite dominante do País, colaboraram com a valorização do ensino no Brasil. O primeiro, surgindo por volta de 1887 e alcançando seus melhores dias nos anos 1910 e 1920, resumia-se na idéia da expansão da rede escolar e na tarefa de desanalfabetização do povo e o segundo, originário dos anos 1920 e tendo seu apogeu nos anos 1930, caracterizava-se por sua ênfase nos aspectos qualitativos da problemática educacional.

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